
Mulheres enfrentam barreiras como DJs na cena da música eletrônica

Atuação profissional em raves e festas de psy trance ainda é reservada, principalmente, aos homens Adriana Franco, conhecida como Ekanta Jake, diz que é valorizada por atuar como DJ
Letícia Carvalho/Divulgação
A cena eletrônica, das chamadas festas rave, tem princípios como paz, amor, união e respeito, segundo seus frequentadores. As mulheres, porém, acabam não se sentindo contempladas por esses ideais quando o assunto é a busca de espaço profissional. A falta de oportunidades para elas como DJs (ou DJanes, como também são conhecidas) é uma realidade.
“O fato de existirem bem menos mulheres DJs do que homens, para mim, se deve ao fato de que, para uma mulher se tornar DJ, ela antes precisa encarar várias barreiras sociais que o homem não enfrenta”, comenta Angela Rodrigues, mais conhecida como Anginha, DJ de psy trance, ou trance psicodélico, um dos estilos mais populares de música eletrônica.
E a discriminação não é só profissional. “Eu sofri, e sofro, com preconceito da minha família, de namorados e de amigos. A maioria não compreende o assédio, que é comum, nem respeita a profissão e as minhas escolhas”, desabafa Anginha.
Na cena brasileira, DJs como ela, Thatiana Zanquini, a Thaty; Paula Simioni; Paula Rodrigues Rosa, a Vênus; e Aline Montagnana, a Inê Goa, entre outras que estão há anos nesse meio, conseguem ver a evolução das mulheres. Mas concordam que ainda há muito o que conquistar. “O que já vi acontecer é colocar uma DJane talentosa no line-up, só que por causa da beleza dela, para chamar o público masculino”, afirma Monique de Oliveira, coordenadora de vendas e frequentadora da cena eletrônica há 12 anos.
“A maioria não compreende nem respeita a profissão e as minhas escolhas”, afirma Angela Rodrigues, a DJ Anginha
Victória Brugger
As mulheres sempre tiveram um papel muito importante na cultura rave, representando figuras como a mãe natureza, as deusas e o poder feminino. Um dos pontos centrais da cena eletrônica é a criação de um estado de transe por meio da dança e do ambiente, no qual o DJ é o responsável por criar a sintonia entre o público e o som.
“Espero que cada vez mais as mulheres tenham vontade de se aventurar nesse universo, e consigam quebrar os padrões internos e externos que muitas vezes carregamos. Somos muito emotivas e intuitivas. Isso dá uma beleza mais que especial às nossas apresentações”, declara Paula Simioni, DJ do subgênero darkpsy que frequenta a cena há 22 anos e há 16 atua como profissional.
“Música eletrônica era música de alien, mas nunca deixei de tocar psy trance. Hoje, o pessoal acha o máximo quando digo que sou DJane. Isso em todo lugar, da manicure até quando vou tirar um documento”, diz Adriana Franco, mais conhecida como Ekanta Jake, Dj de psy trance há 20 anos, cofundadora do festival Universo Parallelo e mãe dos DJs Alok, o mais bem-sucedido do País, e Bhaskar.
As festas de psy trance chegaram ao Brasil há cerca de 20 anos. O investimento em arte e multiculturalismo é frequente nesses eventos, que mantêm vivo o espírito das antigas celebrações nas praias de Goa, na Índia, nas décadas de 80 e 90, que eram acontecimentos considerados contraculturais.
Para Mariana Molina (DJ Mariela), mulheres têm direito ao mesmo espaço que os homens nas festas rave
Mariana Molina/Arquivo pessoal
“Espero que a gente bata o pé e tome o lugar que é nosso por direito”, afirma Mariana Molina, conhecida como DJ Mariela. “A gente tem tanto direito de ser feliz e de nos sentirmos seguras nas festas quanto os homens, e para isso vamos conquistar nosso espaço. Não é fácil, mas é necessário, e temos melhorado muito nisso”.
No último dia 8 de março, foi realizada na Ilha Porchat, em São Vicente, a Psychodelic Malfa, com um line-up 100% feminino de DJs, além de contar com mulheres na produção. O objetivo da festa é reunir mulheres de diferentes lugares do Brasil, pra que elas possam expressar sua arte. Em um universo dominado por homens, os organizadores escolheram o Dia Internacional da Mulher para essa celebração, buscando relembrar as conquistas das mulheres, independentemente de divisões étnicas, sociais ou culturais.
“Queremos incentivar e realizar com frequência essa movimentação em favor do crescimento participativo das mulheres em todas as áreas dos eventos de contracultura no Brasil e mundo afora”, explica comenta Hyago Fontes dos Santos, organizador da Psychodelic Malfa.
Eventos assim ainda são exceção. Em festas eletrônicas com dezenas de DJs, o mais comum é que não haja mais que duas mulheres no line-up – ou mesmo nenhuma. “É uma profissão tida como hobby, sem certeza de muitos ganhos e estabilidade financeira, infelizmente. Mas seguimos firmes”, desabafa a DJ Paula Rosa.
*Sob supervisão de Alexandre Lopes.
Paula Rosa, a DJ Vênus: “Profissão ainda é tida como hobby”
Victória Brugger
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